O futebol rejuvenesce as cidades. Lembrei-me disso ao ver os adeptos do Celtic a passear pelas ruas de Lisboa, todos eles com camisolas verdes e brancas e um ar entre o pacato e o curioso. Foi um acontecimento: por um momento, os passeios tinham mais adeptos da bola do que pessoas a querem-nos passar um gratuito para a mão. Era manhã e nós seguíamos para o emprego, cinzentos e ressentidos, em direcção ao dia de ontem. Eles, os escoceses, preparavam a festa, como se não tivessem obrigações profissionais e familiares. Como se lhes fosse facílimo suspender a vidinha de todos os dias para esse instante de regresso à criancice que é a paixão por um clube de futebol. Naquelas horas matinais, Lisboa era um parque infantil. Um reduto de imaginação. O recreio das crianças.
Sim, Jardim
Ao ler a revista "Sábado", fiquei a saber que Suri, a filha de Tom Cruise e Katie Holmes, nunca ouviu a palavra "não". Não? Não. Não imagina sequer o que é que isso significa. A rapariga de 18 meses jamais ouviu e ouvirá da parte das entidades paternas um "não se faz isso". Um "não metas a arara no congelador". Um "não tires a dentadura do pai do sítio". Motivo? As regras da Igreja da Cientologia, a que Tom Cruise pertence. Isso: os cientologistas nunca podem contrariar os filhos. Nada de surpreendente para quem sabe o que é que a casa gasta. Surpresa, surpresa está em notar que Jardim Gonçalves, o conhecido Opus Dei, foi obrigado a tirar um curso de Cientologia por estes dias.Que não teve como dizer não às dívidas do filho.
Secretários
Hoje, a pergunta que se impõe fazer é: quem é que não está sob escuta? Quem é que não é ouvido por um obscuro cidadão, escondido numas catacumbas quaisquer. O procurador-geral da República, esse, não conta. Está - deu a entender recentemente que os barulhos que ouve no seu telemóvel não são meras avarias do aparelho. Desconfio que até esta crónica está sob escuta. Há, com certeza, alguém a ouvir isto.Especulações à parte, verdade é que temos de nos habituar à situação. Já que estamos todos sob escuta, o melhor é darmos utilidade ao funcionário diligente que nos ouve, dia a dia, chamada a chamada, SMS a SMS. Fazê-lo nosso secretário, por exemplo. Pô-lo a tratar das nossas marcações e agendas. Ele que sabe mais da nossa vida do que nós.
Uma ficção completa
O filme "Corrupção" vai para as salas sem realizador nem argumentista. João Botelho e Leonor Pinhão não admitiram que Alexandre Valente tivesse querido meter a colher entre eles e a montagem final e tiraram a assinatura da ficha técnica. A rapariga Vila-Nova emitiu um comunicado em que fez questão de se demarcar do produtor. Relembre-se que, em tempos, Botelho havia dado umas entrevistas em que sublinhava que o filme não era sobre o presidente do FC Porto nem com a sua relação com a cidadã Carolina Salgado. Ou seja, "Corrupção" arrisca-se a ser um filme realizado por ninguém e acerca de uma personagem que não existe. Pois, pois: ainda vai aparecer aí alguém a dizer que trata de um problema delirante. Fictício.
(crónicas do "Visita Guiada", Rádio Clube Português)
Na estreia de "Fados", o filme-homenagem de Carlos Saura ao género musical lusitano, um espectador espantou-se com o facto de o realizador espanhol ter conseguido captar tão bem a "alma portuguesa". Sim, continuamos a achar que a alma portuguesa é fado puro. Que em cada português há um lamuriento fadista, sempre pronto a verter uma lágrima pelo seu destino trágico. Confesso que essa associação da maneira de ser dos portugueses ao fado começa a cansar. A alma portuguesa não é só - e talvez nem sobretudo - fado. A alma portuguesa é fado, é rock, é rap, é jazz, é reaggae, é música erudita, é música popular e até é, imagine-se o escândalo, música popularucha. Seria até interessante se algum realizador estrangeiro se chegasse à frente para realizar uma película intitulada, simplesmente, "Pimbas". Desta vez, Carlos Saura ficaria a descansar na cadeira. "Pimbas" é uma filme mais apropriado para o rasgo alucinado de Almodovar.
Sugestões
Não sei se ouviram falar do escândalo com o presidente do Senado brasileiro, acusado de usar fundos de uma construtora civil para pagar a pensão de alimentos a uma jornalista com quem tem uma filha de quatro anos. Se não ouviram, não faz mal - interessa é saber que a bela profissional da Comunicação aceitou posar nua para a "Playboy" . Não, não me causou surpresa a circunstância de o número da Playboy com a jornalista na capa ter batido recordes de vendas nas bancas de jornais do Congresso Nacional brasileiro. Fiquei foi a pensar na possível transposição do caso para a realidade portuguesa. E se fosse em Portugal? Será que as bancas em redor Assembleia ficariam sem revistinhas ao fim do primeiro quarto de hora? Será que a revistinha seguiria para o Parlamento à vista de todos ou iria anichada dentro dol diário, entre a secção economia e a página de cultura? As perguntas têm a sua razão de ser, mas a mais pertinente é, parece-me, outra: quem seria a jornalista portuguesa a aceitar posar nua para uma revista do género? Aceitam-se apostas. E, sobretudo, sugestões.
Um ataque
Sou a favor da privatização imediata e compulsiva de diversos serviços do Estado mas acho que o sector público devia ser fortemente reforçado. Sou a favor do fim da guerra no Iraque mas acho que os americanos devem continuar a dar na tola aos iraquianos. Sou fã do Che Gevara mas penso que o Ratzinger também é uma grande figura. Sou um benfiquista ferrenho mas faço parte da Juve Leo e dos Super Dragões. Sou um vegetariano fundamentalista mas os pratos que mais vezes peço nos restaurantes são o bife do lombo e alheira de mirandela. Há anos que sou abstémio mas não dispenso uma aguardente velha no fim das refeições. Sou o homem mais calmo do mundo mas tenho uns oito a dez passanços por dia... Peço desculpa, mas estou a ter um ataque de Luís Filipe Menezes.
Os Animais na Vida Pública
Pacheco Pereira, ao dar o título "O Paradoxo do Ornitorrinco" ao seu último livro, trouxe um animal mais rebuscado para a discussão no espaço público. Mas a verdade é que se têm feito algumas metáforas com animais na vida pública portuguesa. Durão Barroso é o estafado "cherne". Jaime Gama o "peixe de águas profundas". Álvaro Cunhal era, em certos círculos, o "urso branco da Sibéria". Salazar, para Cardoso Pires, era o "dinossauro excelentíssimo". Mais recentemente, o falecido Prado Coelho chamou "gato constipado" ao ex-procurador Souto Moura. Sim, todas estas metáforas transportam algo de curioso e pitoresco. Mas nenhuma, provavelmente, revela a força daquela que, bem vistas as coisas, só assenta na perfeição a uma velha preguiça da História da democracia portuguesa, Soares. O animal político, obviamente. Gente tão feliz
O divórcio de Nicolas e Cécila Sarkozy tem aparecido, em plano de destaque, nas páginas dos jornais de referência. Diz-se que o divórcio foi feito por "mútuo acordo", como se isso fosse possível no território sempre injusto e desequilibrado das relações amorosas. Sim, há uma certa ironia na situação actual do homem que quer transformar os destinos da França: Sarkozy divorciou-se da mulher numa altura em que, em território português, fazia um esforço para casar os povos da Europa. Dizem os Carlos Castros da União que Nicolas se apresentou nas reuniões solto e feliz, como se tivesse acabado de sair de um penoso cárcere. No fundo, o caso de Nicolas vem dar razão à polémica frase que Pedro Mexia escreveu há dias no seu blogue: "A verdade é que conheço pouca gente tão feliz como alguns recém-divorciados".
(versão escrita das crónicas do "Visita Guiada", programa das manhãs de fim-de-semana do Rádio Clube Português)
O "Global Notícias" de segunda trouxe uma reportagem de Ricardo J. Rodrigues sobre a Almirante Reis. O texto centra-se na ideia de que é um mundo de mundos - a "avenida dos freaks, dos toxicodependentes, das prostitutas e dos sem-abrigo, tanto quanto dos estudantes universitários, das senhoras de bem, das comunidades imigrantes, das famílias tradicionais". Conheço relativamente bem a Almirante Reis - a zona da Portugália, sobretudo (vivi na Estefânia). É, de facto, tudo isso que o Ricardo J. Rodrigues diz. Apesar de ter essa dimensão inter-classista, a Almirante Reis é sobretudo o seu lado sujo, dirty, com lojas sem qualquer glamour e gente com poucos dentes. Digamo-lo assim: se a Lapa são os tios, a Almirante Reis são os arrumadores. De vez em quando, a avenida vem à baila em conversetas de ocasião com amigos e conhecidos e percebe-se que é um sítio muito mal amado. Causa mesmo repulsa àqueles que habitam zonas mais nobres da cidade. Eu, confesso, sinto-me próximo da Almirante Reis. Há, é claro, um lado de memória nisto. Não sou imune à fealdade do espaço (mais evidente em dias de mau tempo) mas é um sítio que me é chegado, quase confortável - na medida em que uma casa, por menos condições que tenha, torna-se confortável ao fim de um tempo de a habitarmos. A literatura também tem importância na história. Algumas das melhores coisas que Cardoso Pires escreveu (facto lembrado por Ricardo J. Rodrigues) têm como coração a Almirante Reis do seu tempo de rapaz, com os seus personagens rufientos, com as festas nas agremiações, com o snooker. Deixei-me envolver por esse ambiente humano. Tal como me deixei envolver pelo ambiente humano da zona de Belém, com os miúdos agarrados aos eléctricos e disputas pela liderança do grupo, que atravessava as histórias da infância do meu avô. Ia falar agora da Morais Soares mas deixo isso para outro post.
Apreciei o primeiro, ainda mais o segundo (o dos singles, que traz a grandessíssima "Black Cab") e ainda não percebi se o último, "Night Falls Over Kortedala", está ao nível. Rodou hoje, de forma apressada, no leitor no computador. Preciso de ouvir mais - mesmo a música do vídeo, "Your Arms Around Me". A verdade, verdadinha é que já estou comprado - o rapaz Jens nunca me deixou ficar mal.
No seu texto de hoje do "Público", "Populismos e Antipopulismo", Pedro Magalhães , para além de ficar bem posicionado para vencer o concurso "Eu Utilizo Aspas em Quase Tudo" , escreveu linhas de extrema lucidez e bom senso (por exemplo, a primeira frase desta passagem):
«Não me parece absolutamente evidente, por isso, a que passado de "responsabilidade" e "institucionalismo" a ascensão de figuras como Santana Lopes, em 2004, ou como Menezes, agora, vieram pôr fim. Há certamente muitas diferenças de estilo entre eles e aqueles que, supostamente, representam as alternativas mais "sérias", dentro e fora do PSD. Mas está por provar que as diferenças sejam de substância. Se o "populismo" for, na sua acepção mais simples, um método político através do qual a maximização dos votos e a busca do apoio do "povo" contra as "elites" se sobrepõe à exequibilidade das políticas e à representação de interesses sociais, as diferenças parecem-me, confesso, ser mais de grau e de circunstãncias do que, verdadeiramente, de espécie».
Preocupa-me a irascibilidade do primeiro-ministro com as manifestações que, aqui e ali, lhe dedicam. Tenho, aliás, passado os dias a pensar como é que Sócrates pode sair deste ambiente de confronto. E cheguei a uma serena conclusão. José Sócrates, que é frequentes vezes acusado de convocar figurantes para alguns dos seus eventos, devia começar a convocar figurantes para as manifestações que lhe fazem. Ou seja: em vez de militantes do PC a gritarem reivincações e insultos, teria à sua espera figurantes que fariam as contestações que lhes fossem pedidas. Ou até, quem sabe, elogios e piropos. Com salvas de palmas pelo meio. Tudo depende do preço. Apresse-se, no entanto, o nosso primeiro. Diz que o programa do Goucha não está a pagar nada mal.
Fantasmas na Casa Branca
Jenna Bush, filha do presidente dos Estados Unidos, afirmou publicamente que a Casa Branca está cheia de fantasmas e que por isso tem medo de lá dormir. Jenna diz ter ouvido música de ópera a sair da lareira do seu quarto - o que pode indiciar que há um certo elitismo nas assombrações da White House. Na verdade, Jenna não foi a primeira a sentir a presença de espíritos no local. Já vários cidadãos declararam ter avistado o esguio fantasma de Abraham Lincoln e outros disseram ter visto a mulher do segundo presidente dos EUA a carregar roupa para o East Room. E hoje em dia? Bem, hoje em dia, para muitos, há os relatos de George Bush sobre o seu encontro diário com o fantasma do terrorismo. E existe o caso de Hillary. Hillary? Sim, Hillary. Caso vença as eleições do próximo ano, a mulher do senhor Bill terá encontro marcado com um fantasma: o de Mónica Lewinsky , a funcionária que, na sala oval do edifício, praticava sexo oral com uma pessoa dos seus conhecimentos.
Observatório Quente
O julgamento do dono do Passerelle deve estar a ser seguido, mais ou menos em silêncio, pela comunidade de machos latinos lusa. A coisa, na verdade, tem a sua complexidade: é que se, por um lado, é justo condenar quem se dedica ao tráfico de seres humanos, por outro, é extremamente desagradável ao cidadão ficar privado de corpos perfeitos e de movimentos sexy. Sim, para muito boa gente, o dono do Passerelle devia, pelos seus serviços prestados, ser condecorado pelo presidente da República, não preso. Esta semana, Jorge Lacão, manifestando a sua inquietação com o assunto, anunciou que, em breve, será criado um observatório. Com todo o respeito que o tema me merece, não posso deixar de fazer uma pergunta: como é que será chamado o observatório. Observatório para o Table Dance?
(crónicas do "Visita Guiada", programa das manhãs de fim-de-semana do Rádio Clube Português)