O "Global Notícias" de segunda trouxe uma reportagem de Ricardo J. Rodrigues sobre a Almirante Reis. O texto centra-se na ideia de que é um mundo de mundos - a "avenida dos freaks, dos toxicodependentes, das prostitutas e dos sem-abrigo, tanto quanto dos estudantes universitários, das senhoras de bem, das comunidades imigrantes, das famílias tradicionais". Conheço relativamente bem a Almirante Reis - a zona da Portugália, sobretudo (vivi na Estefânia). É, de facto, tudo isso que o Ricardo J. Rodrigues diz. Apesar de ter essa dimensão inter-classista, a Almirante Reis é sobretudo o seu lado sujo,
dirty, com lojas sem qualquer glamour e gente com poucos dentes. Digamo-lo assim: se a Lapa são os tios, a Almirante Reis são os arrumadores. De vez em quando, a avenida vem à baila em conversetas de ocasião com amigos e conhecidos e percebe-se que é um sítio muito mal amado. Causa mesmo repulsa àqueles que habitam zonas mais nobres da cidade. Eu, confesso, sinto-me próximo da Almirante Reis. Há, é claro, um lado de memória nisto. Não sou imune à fealdade do espaço (mais evidente em dias de mau tempo) mas é um sítio que me é chegado, quase confortável - na medida em que uma casa, por menos condições que tenha, torna-se confortável ao fim de um tempo de a habitarmos. A literatura também tem importância na história. Algumas das melhores coisas que Cardoso Pires escreveu (facto lembrado por Ricardo J. Rodrigues) têm como coração a Almirante Reis do seu tempo de rapaz, com os seus personagens rufientos, com as festas nas agremiações, com o snooker. Deixei-me envolver por esse ambiente humano. Tal como me deixei envolver pelo ambiente humano da zona de Belém, com os miúdos agarrados aos eléctricos e disputas pela liderança do grupo, que atravessava as histórias da infância do meu avô.
Ia falar agora da Morais Soares mas deixo isso para outro post.