. Pelos caminhos de Portuga...
. Alguém se lembra do ébola...
. Espécie de Kipling de Set...
. Espera aí que no fim do m...
Álvaro Domingues, geógrafo, professor, ensaísta, também parece ter esse fascínio em fazer uma montagem de vozes, dos textos de biblioteca às prosas da internet. Ele sabe que a forma mais certeira de dizer o mundo de hoje – no caso o de Portugal – é a de o mostrar na sua impureza. E intercalando os tempos. O capítulo mais arriscado de Volta a Portugal chama-se “Os Fados da Portugalidade” e consiste numa colagem de textos de figuras com mundividências tão diversas como Fernando Pessoa, António de Oliveira Salazar, Jaime Cortesão, Antero de Quental, Almeida Garrett e Guerra Junqueiro. Engenhosa construção que termina com uma fotografia daquilo que parece ser um cemitério de sanitas.
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Não, não venho escrever sobre Sócrates. A Justiça que fale por si, como é sua obrigação. Venho escrever sobre um tema que me encanita como uma perturbadora rinite de mudança de estação: a histeria da actualidade. A histeria de tudo comentar. Acrescento: de tudo comentar com timbre de profundo conhecedor. A histeria de todas as semanas, de todas as horas nos tornarmos especialistas em qualquer coisa. Anteontem sabíamos imenso de frentes islâmicas, ontem éramos ebólogos, hoje somos penalistas. Amanhã seremos especialistas em esquilos. Não ajuda.
Pergunta-se: depois daquelas semanas em que toda a gente se pronunciava sobre o ébola, alguém ainda se preocupa com o ébola? Temo que não – e isso é algo que deixa sozinhos os africanos que ainda vivem focos infecciosos extremos. Agora que já deixou de passar nas notícias é problema deles. Que se arranjem e se safem. Agora só nos focamos no prato do dia e que se danem todas as iguarias da ementa.
Proponho uma ditadura (já era tempo): a de só falarmos de um assunto duas semanas depois de acontecer. Sejamos comentadores que chegam tarde às matérias, que evitam pôr o dedo no ar para deixarem sair mais uma ruidosa sentença, mais um comentário de uma sapiência tão aparatosa como vazia. Que andam à bulha como catedráticos de manchete.
Revejo a posição: não é proposta ditatorial. Ditadura é estar sujeito ao fascismo daquilo que é imposto mediaticamente, segundo a segundo, e que as multidões vão seguindo e analisando como quem segue um impostor interessado em ter a atenção toda. Em dominar. É urgente ir para a clandestinidade da reflexão lenta, fugir da propaganda de rodapé, abandonar essa patológica obrigação de nos licenciarmos (ao domingo também) em todas as disciplinas que não dominamos. O silêncio agradece.
(Publicado na revista Sábado)
Também é canadiano. Ainda não tem 80 anos como Leonard Cohen mas, se Deus quiser, lá chegará. É o rockeiro Neil Young. Tenho andado a cruzar-me novamente com ele. Emprestaram-me ‘Waging Heavy Peace’, um livro de memórias, desordenado, orgânico, livre. Um conjunto de episódios, reflexões, evocações, aspirações, melancolias. Traz um subtítulo que condiz com a empreitada sem rumo definido: ‘A Hippie Dream’. E um prefácio adequado: “When I was young, I never dreamed of this. I dreamed of colors and falling, among other things” (quando era jovem, nunca sonhei com isto. Sonhava com cores e em cair, entre outras coisas).
Fica-me uma sensação de apaziguamento ao ler este livro. Ainda há gente sem ponta de cinismo no mundo. Assumindo todas as suas desilusões biográficas (com destaque para as familiares - tem dois filhos com sérios handicaps físicos), Neil acredita, apesar de tudo, nas possibilidades disto que nos cabe. O que se sente ao percorrer estas páginas é uma crença no poder que as marés da vida podem ter numa alma vulnerável, que tanto assume a felicidade em receber um telefonema de Bob Dylan como reconhece que podia ter sido melhor companheiro quando a sua mulher estava em apuros médicos.
A amizade percorre estas páginas – e talvez seja uma palavra que define bem o autor de ‘On The Beach’ (um dos meus discos preferidos dele). A amizade com as suas pessoas, as vivas e as mortas, com a lua, com a floresta, com a guitarra. Uma desilusão com a circunstância de se ouvir hoje música sem receber sequer suas mínimas potencialidades sonoras. A cumplicidade musical com gente mais nova como os Pearl Jam e os Sonic Youth - e também com, por exemplo, os My Morning Jacket, banda na qual a forma de cantar se aproxima de certa forma da sua. Um apego ao seu rancho.
Neil – que se divorciou recentemente de Pegi (algo que não lhe deve ter sido fácil, depois de 33 anos de casamento) e, segundo umas fotos recentes, tem uma nova namorada, Daryl Hannah – continua a inspirar quem acha que isso faz sentido. É de recordar o pedido: keep on rockin’ in the free world (continuem a fazer rock no mundo livre). Que é como quem grita: Forever Young.
E se nos deixássemos de coisas e tentássemos dar uma volta a isto que temos sido e nem sempre é bom e recomendável? E se questionarmos aquela atitude tão latina do "sou como sou e é assim que devo fazer" e aquela história tão revista "Science" do não posso fazer nada porque a minha programação genética é esta? E se mandarmos abaixo três ou quatro preconceitos, como quem manda imperiais na tascarola ali de baixo? E se enterrássemos o cinismo que é tão fácil usar à lapela neste sítio internético que habitamos? E se começássemos a não ter medo de exibir crenças, por mais pequenas que sejam, por mais risíveis que possam parecer ao pátio da escola - cheínho de pequenas maldades e vontades de mandar abaixo - em que continuamos a mover-nos? E se perdemos por um instante a repulsa por termos antigos, mas cada vez mais urgentes, como disciplina, hábito e concentração? E se nos dermos a hipótese de lá mais para o fim do ano podermos, quem sabe, festejar?
Podia retomar o blogue elogiando "As Praias de Agnès", o melhor filme que vi nos últimos tempos (no seu suave equilíbrio entre nostagia e humor) - fazendo assim a ponte para o post que deixei aqui em Março de 2008. Mas faço-o dando as boas vindas a "Welcome", de Phillipe Lioret, um filme que também estaciona algumas vezes em extensos areais. O que é que me faz sublinhar "Welcome"? Não, não é o facto de ser muito mais do que uma mera adição de ingredientes (um bocadinho de amor, um bocadinho de violência, um bocadinho de bons diálogos). Não, não é a circunstância ser um filme económico e, mesmo assim, cheio de pormenores. É o facto de me ter (sim, eu sei que estou a arriscar) tocado.
O taxista ignorou as Shakiras e os Timberlakes (nem um serpentear de ombos nem nada) e abanou a cabeça como se não houvesse amanhã quando ouviu "Boys Don't Cry", pano de fundo de uma promo ao concerto dos Cure.